Heurística, pra quem não está familiarizado com o termo, é, grosso modo, a simplificação de uma pergunta complexa. Exemplo. Vou comprar um carro e estou entre três modelos. Eu pesquiso, vejo as especificações, leio relatos e avaliações de donos e ex-donos, consulto material especializado, etc. É uma pergunta difícil de responder. Meu cérebro, que sempre procura o caminho mais fácil, tem a brilhante ideia de economizar tempo e energia e substitui a pergunta “qual é o melhor carro para mim?” pela pergunta “qual é o carro mais bonito?” Ou “lembra da propaganda bacana de carro que você viu?” Assim, ele me poupa do esforço de tomar uma decisão consciente, facilitando a resposta. Esse é o aspecto subconsciente das heurísticas. No seu aspecto consciente, também são as simplificações que fazemos baseadas em padrões observados na realidade. Sabemos que geralmente o time mais forte ganha do mais fraco em qualquer esporte, então, se formos dar um palpite, apostaremos no primeiro; estamos acostumados a ver a corrupção disseminada na política, então negamos a qualquer político a presunção da inocência. Noventa e nove por cento do que é veiculado em jornais ou é propaganda, ou não faz diferença na vida cotidiana, por isso alguém pode heuristicamente parar de assistir jornais. Usamos heurísticas o tempo todo, algumas representando boas aproximações da realidade, outras nem tanto.
O pessoal do behaviourismo econômico, Kahnemann, Susstein, Thaler e cols. veem isso como uma amostra de como somos irracionais e tomamos decisões de forma muito mais impulsiva do que pensamos. Baseado nessa e outras premissas da irracionalidade humana, Richard Thaler, vencedor do Nobel de economia e que já foi advisor de Barack Hussein Obama, desenvolveu estudos e técnicas para a criação e aplicação de “nudges”, que nada mais são do que sugestões ou insinuações aplicadas às pessoas num nível subconsciente, para que mudem determinado comportamento. Ele defende o que chama de “paternalismo libertário”, onde o governo age como um pai, protegendo o povo de más escolhas, sem contudo privá-lo de poder escolher. É apenas mais uma versão de estado tecnocrático. A ingenuidade de Thaler é acreditar que alguma das oligarquias do mundo se preocupa de fato com o bem-estar cidadãos do seu país, e a falha em perceber que o “paternalismo libertário” já é uma realidade no ocidente há muito tempo, mas não da forma que ele imagina. A maior obra de engenharia social da história transformou antigos rebeldes em marionetes do regime, jornalistas e intelectuais em propagandistas e o grande capital em herói das minorias. O estado moderno já age como uma instituição que acha que tem que proteger o povão da própria imbecilidade, não porém, para melhorá-lo, e sim para torná-lo cada vez mais dependente. As grandes corporações da internet, de forma sinérgica, usam os “nudges” nos seus algoritmos, promovendo apenas conteúdo concordante com a versão oficial dos fatos. O regime precisa fabricar uma aparência de consenso, pela propaganda ou pela força, sendo o primeiro método o preferido, de longe, por ser o mais fácil e por permitir que o regime continue mantendo as aparências.

O psicólogo Jonathan Haidt, um dos nomes mais proeminentes da chamada “Intellectual Dark Web” (um grupo informal de “especialistas” que questiona a visão dominante, ou é isso que se alega sobre eles, embora todos partilhem da mesma simpatia pelo liberalismo e cientificismo que os demais porta-vozes do regime) também entende o homem como primariamente governado por instintos, e para ilustrar o seu comportamento ele utiliza a metáfora do elefante e seu condutor. Ao ver um tigre, o elefante toma a decisão de fugir para a direita, e o condutor, após a decisão ter sido tomada - não por ele - começa a justificá-la. Assim, o elefante é nossa parte instintiva, que de fato decide as coisas, e o condutor, nossa parte racional, que, na maioria das vezes, somente age criando um raciocínio que justifique a escolha já tomada pela outra parte. Portanto, se primeiro agimos, depois racionalizamos, a propaganda é direcionada não para mudar a forma como eu penso, mas apenas a forma como eu ajo.
Gostamos de pensar que somos racionais, que somos capazes de ouvir e entender explicações, ser convencidos e abandonar pontos de vista previamente defendidos, desde que a argumentação seja coerente. Qualquer um que tenha conversado com qualquer pessoa a respeito de um tópico polêmico sabe que isso é mentira. Depois do iluminismo (sempre ele), pensávamos que entraríamos em um grande debate, em que as melhores ideias venceriam e, ao final, estaríamos todos juntos, fazendo raciocínios razoavelmente racionais, em harmonia e paz. Enfim, basta olhar ao redor. O que vimos, na verdade, foi justamente o que argumenta Haidt - e nesse ponto ele está corretíssimo - pessoas utilizando argumentos racionais para justificar atitudes tomadas de forma instintiva, tribal e supersticiosa - e quem fez isso não foram os “religiosos ignorantes”, veja só - mas a elite iluminada. Como explicar aberrações como certos tipos de reserva de vagas em universidades? Alguém acredita em uma explicação racional para isso? Mas pode ter certeza que há quem a elabore, e a considere racional o suficiente para servir como justificativa de uma política como essa. Basicamente, o sonho iluminista era que as pessoas seriam racionais o suficiente para descartar argumentações espúrias, as melhores ideias e argumentos seriam filtrados e restaria no final o puro suco da inteligência humana, rumo à utopia tecnocientífica. O que se materializou foi, ao contrário, um pesadelo, nada mais que o resultado da razão humana divorciada de um fundamento moral e até da própria realidade.
Retomando, então, o tema das heurísticas, eu as entendo como mecanismos instintivos humanos. Não só elas podem ser úteis em situações de perigo, como também nos ajudar a identificar casos em que estão tentando nos direcionar através da propaganda ou da criação de narrativas. Os anos do COVID foram muito instrutivos nesse sentido, e há um pré e pós-pandemia em vários aspectos da confiança geral no regime e sua máquina de propaganda.
Assim, listei algumas heurísticas que nos impedem de cair ingenuamente na manipulação, em suas diversas apresentações. São apenas simplificações que ajudam quando temos informações insuficientes sobre o que estamos querendo avaliar. São elas:
1 - se a grande mídia está falando que é bom, não é bom. A esta altura do campeonato, se isso não ficou óbvio, não sei mais o que precisa acontecer.
2 - se a grande mídia está falando mal de alguém em uníssono, deve-se prestar muita atenção não à pessoa em si, mas à sua mensagem. Mesmo que seja um tolo, se está sendo atacado, é porque odeiam sua mensagem, e é aí que deve estar o foco da nossa atenção. O que ele fala que incomoda tanto?
3 - Cui bono. Quem se beneficia com determinada política/lei/propaganda/acontecimento? Provavelmente é quem está exercendo influência para que ocorra.
4 - se estão te oferecendo, provavelmente é bom pra quem está oferecendo, não pra você. Aqui entram empréstimos bancários, cartões de crédito, financiamentos em geral, sites de apostas, investimentos que são apresentados como oportunidades, previdência e outros esquemas de pirâmide. Não podemos ser paranóicos, afinal precisamos do sistema em alguma medida, mas evitemos ao máximo dar nosso dinheiro ao inimigo.
5 - em qualquer debate, quem parte pro ad hominem é quem está ali não para discutir ideias, mas apenas fazer propaganda. Faz total sentido pensando que quem vai querer tirar o foco da coisa em si é quem só quer impressionar, substituir o conteúdo pela forma, e isso envolve atacar e diminuir o oponente. Basta assistir qualquer debate político. Fingem discutir ideias e políticas, na realidade só se veem acusações e ofensas.
6 - consensos acadêmicos, em geral, não são confiáveis. Quando alguém usar essa palavra, provavelmente está tentando endossar ou fabricar uma narrativa. O “consenso científico”, o “consenso entre especialistas” etc. Um só estudo bem realizado e livre de vieses pode derrubar uma tese tida até então como verdade científica.
7 - a maioria, geralmente, está errada nos seus julgamentos. Dado que a maioria tem informações insuficientes sobre as coisas e nível de entendimento baixo, é muito mais provável que seu julgamento será equivocado e que estará mais sujeita à manipulação pelos meios de massa.
8 - se vai contra o seu conforto, provavelmente é algo que você deveria fazer. Trabalhar, ler, estudar, fazer atividade física, ir ao culto/missa, passar tempo com pessoas reais presencialmente etc… A maior armadilha da modernidade é o conforto.
9 - deve-se desconfiar de novidades: o tempo prova todas as coisas. Daí a importância da tradição, o que nos leva à nossa décima e última heurística.
10 - deve-se tomar muito cuidado ao abandonar ou desconsiderar tradições. O princípio da “cerca de Chesterton” é uma forma muito elegante da apresentação dessa heurística. Ele está exposto na forma de parábola no livro “The Thing: Why I Am a Catholic”:
“There exists in such a case a certain institution or law; let us say, for the sake of simplicity, a fence or gate erected across a road. The more modern type of reformer goes gaily up to it and says, “I don’t see the use of this; let us clear it away.” To which the more intelligent type of reformer will do well to answer: “If you don’t see the use of it, I certainly won’t let you clear it away. Go away and think. Then, when you can come back and tell me that you do see the use of it, I may allow you to destroy it.”
Na nossa era a cerca primeiro é destruída - por se acreditar que destruindo-se as restrições, a utopia se estabelecerá -, depois os estragos são contabilizados, já tarde demais. E o pior: muitos dos que se dedicaram tanto a derrubar as cercas, não chegaram a ver todo o estrago causado por seus trabalhos. Se o pessoal que derrubou a monarquia em 1889 visse o estado atual da “república”…
As heurísticas, relembrando, são apenas aproximações, simplificações, de maneira alguma leis da realidade. O uso das que propus também não é um convite a um ceticismo radical que duvide a priori de tudo e de todos, pois essa é uma postura que termina em isolamento e impede a elaboração de medidas propositivas: é mais fácil destruir do que construir, ou como disse De Maistre: “Para atear fogo a uma cidade, apenas uma criança ou um tolo é necessário; reconstruí-la requer arquitetos, materiais, trabalhadores, riqueza, e especialmente, tempo”. Eu conheci alguns daqueles tipos, e tenho certeza que o leitor também, para quem nada era bom, tudo e todos eram podres, qualquer mínima falha era suficiente para invalidar qualquer aspecto positivo de determinada pessoa. É uma postura fácil, porém inútil. Esperar perfeição de seres humanos é certeza de decepção.
E o tempo, por falar nele, é essencial. As duas últimas heurísticas podem ser sintetizadas no conceito de dar tempo ao tempo. Quantas vezes, nesses últimos anos, vimos a grande mídia passar vergonha. “Covid não transmite pelo ar”. Transmite. “Vacina impede a transmissão”. Não impede. “Vazamento de laboratório é impossível”. Teoria mais provável até hoje, o próprio Dr. Fauci admitiu recentemente que não se trata de mera teoria da conspiração. Nesse caso, a preocupação nunca foi a verdade, mas dominar as narrativas. No entanto, ao agir precipitadamente, a grande mídia mostrou a sua verdadeira face, e muitos finalmente têm percebido que ela é apenas o departamento de marketing do regime. Não podemos cometer o mesmo erro. Diante de coisas novas sobre as quais temos poucas informações, devemos ter resguardo.
Na presente sanha por atenção, é comum nos concentrarmos em falar do assunto atual. Na era dos cliques, tráfego etc. tudo o que está acontecendo gera mais engajamento e claro que é necessário falar também sobre eventos atuais. Contudo, precisamos ter muito cuidado com tudo o que é recente, sejam tecnologias, pessoas (o cuidado deve ser triplicado se forem influencers, quintuplicado se forem políticos), práticas, acontecimentos etc. Parece que, na era imediatista das redes sociais, é cobrado que tenhamos um juízo de valor de bate-pronto para tudo o que acontece; no entanto, você não é obrigado a opinar sobre nada. Na era da opinião, os erros se acumulam exponencialmente. A “direita” brasileira, por exemplo, considerou herói qualquer um que dissesse se opor ao Lulopetismo. Se essa pessoa falasse num tom firme, de preferência demonstrasse habilidade em desdenhar do inimigo e alguma propensão para o teatral, tanto melhor. Mas as máscaras caíram aos montes, e logo, pouquíssimos sobraram. O tempo revela todas as coisas.
Há uma parábola contada pelo personagem Gust Avrakotos, interpretado por Phillip Seymour Hoffman, ao personagem Charlie Wilson, interpretado por Tom Hanks, no filme “Charlie Wilson’s War” (que recebeu o extremamente criativo título “Jogos do poder” em português). Segue:
Gust: There's a little boy. On his 14th birthday, he gets a horse. Everybody in the village says: ‘How wonderful, the little boy got a horse!’ The Zen Master says: ‘We'll see.’
Two years later, the boy falls off the horse and breaks his leg. Everyone in the village says, ‘how terrible!’ And the Zen Master says: ‘We'll see.’
Then, the war breaks out and all the young men have to go off and fight, but the boy can't, because his leg's all messed up. And everyone in the village says: ‘How wonderful.’
Charlie Wilson: And the Zen Master says, ‘We'll see.’
Gust: So you get it.
Dispomos de tão poucas informações, tão pouco tempo para analisar as coisas, que os juízos de valor “em tempo real” - coisa vista em abundância nas redes sociais - são inúteis. Durante o pouco tempo em que frequentei o twitter, vi pessoas mudarem três ou quatro vezes de opinião ao longo de uma semana. Sempre com frases de impacto, taxativas, veredictos de juvenis juízes levianos, juízos apressados que servem para aumentar ainda mais a enorme pilha de opiniões e informações inúteis que infesta a internet. E como tudo reverbera de forma muito rápida e aguda, logo ganha proporções enormes, e assim se criam heróis e vilões no prazo de minutos. É apenas mais uma forma de gerar engajamento e tráfego, uma maneira que o algoritmo usa para colocar nossas heurísticas contra nós, e a favor deles.
“We’ll see”.
Muito bom. Expressou muito das coisas que eu já havia pensado antes, mas que não cheguei a articular. Me lembrou um pouco do meme do chud "Nothing Ever Happens" que me parecr manifestar esse exato espirito do "Mestre Zen"